sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Também é*


Tinha acordado mal disposta, e em vez do habitual 'bom-dia, dormiste bem?' soltou um rasgante 'que queres?' só para ter a certeza que não ia obter respostas. Mas desta vez enganou-se. Esta era a mais recente de muitas, mas isso ela já nem se lembrava, já lhes tinha perdido a conta. A irmã desta vez respondeu-lhe 'és fria' e ela ficou embasbacada, mesmo que quisesse soltar um 'A minha vida é um caos e como é? Ninguém me ajuda', não conseguiu. Ficou cá tudo preso. Mas a irmã continuou, 'Já chega. A vida não acaba por se ter um acidente. Sabes uma coisa? É difícil sentirmo-nos sozinhos, mas é fixe regressar onde estávamos e se possível voar ainda mais alto. Ter sonhos.' Ela nem sabia se continuava calada, se havia de falar. A irmã disse-lhe 'vou para ali, volto logo' e ela por prudência decidiu ir tomar um banho. Devia ser o primeiro da semana e já era sexta-feira. Isto tinha andado complicado. Mesmo assim, ainda ouviu o murmúrio da irmã, sentido, magoado, 'Mana, não me envergonhes...'. E foi ela que se envergonhou. Se calhar era hoje o dia de mudar de atitude, de abrir os braços, de gritar que estava viva. De acordar, ou nascer outra vez. Ela já nem sabia se tinha adormecido ou morrido. Depois do banho vestiu uma das poucas coisas que não boiavam no seu corpo magro e desleixado, um vestido de flores. E foi depois de pentear os longos cabelos escuros que se olhou ao espelho e perguntou de si, para si: ' É riso depois da lágrima ou é lágrima depois do riso?', o espelho não respondeu. Mas ela sentiu uma resposta. Estava a renascer, e havia vida lá fora. Tirou uns trocos da carteira da irmã, que entretanto havia ido estudar para a divisão do lado, e pensou seriamente se havia perdido a capacidade de lidar com dinheiro, depois de um curso de gestão e uns anos de trabalho num banco lá no estrangeiro.

Já depois do café, tropeçou numa senhora que passeava uma criança. Esta sorria, alienada do que se passava, simplesmente feliz pelo sol que lhe batia na cara e pela atenção que recebia. Ela, desejosa de vida, tal como o vestido das flores que trazia vestido, aproximou-se da velha e segredou-lhe 'Parebéns avó'. A senhora, primeiro surpreendida, sorriu e disse 'Eu sei que ela é linda, mas a menina também é, também é...'.

*Segundo a Inês que decidiu passar o testemunho a Ineses, este desafio consta da elaboração de um texto em que estejam os títulos dos últimos 10 posts. Isto foi o que se arranjou. Mafalda e quem mais se sentir entusiasmado com a ideia (esta espero que não me deixe pendurada...). faz favor de escrevinharem também.

2 comentários:

Inês disse...

Muito Bem Inês ;)

Mafalda disse...

Ó gaja, até nem te safaste nada mal...

Mas essa de eu também ter/ dever "escrevinhar" já não me parece nada bem...

Ai que temos a burra nas couves.

Bjo