domingo, 20 de janeiro de 2008

És vagabundo

És vagabundo
Andas perdido pela rua, és vagabundo.
Não te perdes porque nunca te encontras, és vagabundo.
Corres para não chegar atrasado ao local onde ninguém te espera, és vagabundo.
Andas perdido no sítio onde vives desde sempre, és vagabundo.
Não te mexas desse lugar, deixa-te estar. Já te apercebeste que as pessoas passam à volta, nem te dês ao trabalho de dizer bom-dia, já viste que ninguém to devolve, porque és vagabundo
Pedes esmola para viver, porque agora já só vives bebendo, e és vagabundo
Esqueces o que ninguém te lembra: que tiveste emprego, viveste com mulher e até passeaste filhos
Lembras o que ninguém te esquece: que não és ninguém, que metes medo e que não fazes cá falta.
Mas eu lembro-me do que tu esqueceste. Que um dia entraste no café onde estava, viste-me olhar a sombrinha de chocolate que ninguém me dava e tiraste-a para mim. E assim, em vez do galão e da torrada, que já trazias pensada, bebeste só um café, que nem chegou para te aquecer. E eu, pequena e corrada, sorri-te um ‘obrigada’. Escondi a sombrinha na minha mão, e fugi de ti também. Pequena e já ensinada, fugir de quem não faz nada. Que aquilo pega, e eu não quero ser assim também, vagabundo.

E hoje que já ninguém se lembra, eu vi uma sombrinha, na mão de uma menininha, mas esta não sorria, e nem corada estava, porque ela não sabe a história de alguém como tu.

4 comentários:

Pipe Shadow disse...

Que História!
Fiquei sem saber o que dizer...

Lia disse...

Muito bom. É uma lição de vida! Obrigada por a partilhares.

paddy disse...

Que post bonito :)

Não sei se já ouviste o 'Velho' da Mafalda Veiga, mas ler isto agora lembrou-me essa música.

seni disse...

A todos: e é verdadeira. Aconteceu comigo mesma. Ontem lembrei-me. Calhou em conversa falar sobre esse homem e descobri que já tinha morrido. Fiquei um pouquinho triste. Acho que gostava dele. E era tão vagabundo.

Beijinhos.