sábado, 2 de fevereiro de 2008

Quase Velha e quase sozinha

Era quase velha e estava quase sozinha. Olhava para o chão. Todas as que estavam com ela olhavam para o chão, tal como ela. Mas aquela quase velha, acompanhada por outras já quase velhas, estava quase sozinha. Vi-a de longe a levantar-se e tentar fugir ao tempo que passava por ela. Veloz. Rápido. E ela, quase velha e quase sozinha, levantou-se para correr. Tropeçou na bengala, que atrasava a fuga ao tempo, rápido e veloz, e caiu. E o tempo passou por ela. Veloz. Rápido. E ela, já velha e já sozinha, porque o tempo já tinha passado por ela, olhou para mim. E eu, tal como todas as quase crianças e quase gente, encolhi os ombros e segui o meu caminho. Na minha vida, o tempo ainda ia muito lá atrás. E aquela luta não era a minha. Mesmo assim, peguei-lhe na mão quente para ajudar, quando já ninguém estava a olhar, e levantei-a a ela, e à bengala. E ela já atrasada, porque o tempo já tinha passado por ela, sorriu-me envergonhada e sentou-se onde estava. Agora que já estava tão atrasada que não valia a pena.

(Senti isto quando vi a minha avó a ficar velhinha. Este texto estava no meu computador há uns tempos. Tinha vergonha de o mostrar. E sim, mesmo comigo ao lado, ela passou de quase velha e de quase sozinha, para totalmente sozinha e velha.)

2 comentários:

Inês disse...

É um bonito texto, Inês.

Miguel F. Carvalho disse...

não devemos ter vergonha de mostrar aquilo que somos... principalmente quando são coisas bonitas...